terça-feira, 29 de setembro de 2009


O medo que mora comigo.

Admito corajosamente que tremo, suo e tenho cólicas só em me imaginar numa aventura radical. Destas que ativam a adrenalina dos corajosos e o pânico dos medrosos. Tenho medo sim!Claro que tentei mudar. Lógico que experimentei a terapia de choque para vencer o que (psicologicamente analisando) me atrapalharia pelo resto da vida

O primeiro duelo que travei com o medo foi sobre as dunas. Nada de armas, nada de contar passos e atirar mais rápido. Apenas um Buggy, alguns amigos, um motorista inexperiente, eu e o medo. Sobe dunas, desce dunas, acelera na descida, um pouco mais na subida... UHHHH!!!Cabelos voando, os amigos sorrindo, o medo gargalhando, uma freada brusca e eu... Estendida no chão! Com o nariz quebrado e o medo vitorioso zombando: Quero ver explicar à sua mãe!

Como as dunas são o playground de quem mora junto à praia, travei a segunda batalha com o medo novamente sobre elas. Alguns amigos, todos inexperientes. Uma prancha de Sandboard eu e o medo. Desço primeiro sentada por ser mais confortável (mentira).Depois em pé por não ser covarde (mentira). UHHHH!!! Cabelos voando, os amigos sorrindo, o medo gritando e eu... Estendida no chão! Com um novo rosto esculpido de areia, o tornozelo inchado e o medo zoando no ouvido arenoso: Quero ver explicar à sua mãe!

Dei por encerrada a minha história de combate na areia. Na terceira vez que encarei o medo foi sobre o mar. Alguns amigos, um Ultraleve, um piloto experiente, eu e o pavor. Relutei. Tentei fugir. Dei a luta por vencida, preferi desistir. A torcida encorajou. Vai lá! É imperdível! Vai se arrepender! Fui! UHHHH!!!Cabelos voando, a vida voando, o medo voando agarrado atrás de mim. E eu...Prestes a desmaiar nas alturas! Desci cambaleando amparada pelo medo e a cabeça eclodindo: Quero a minha mãe!!!!

Desisti de lutar. Passamos da idade, eu o meu medo de intrépidas experiências. Permiti que ele morasse comigo, o que de certa forma me torna corajosa.Conviver com o medo me causou maiores problemas? Não sei. Só sei que se alguém, porventura, tenta me convencer a esquiar nos Alpes Suíços, descarto gentilmente a idéia dizendo que prefiro arriscar-me (heroicamente) sobre uma gôndola, em Veneza.

Léia Batista

domingo, 20 de setembro de 2009




NÃO PROVOQUE! ESTOU ROSA-CHOQUE!

Postei-me em frente ao monitor esperando que a minha mente, na maioria das vezes criativa, ditasse as palavras, as quais eu posaria aqui facilmente. Mas nada aconteceu.
Durante o tempo que me atrevo no mundo da escrita pude constatar que uma vez por mês, durante todos os meses, sofro um bloqueio. Como se a fonte inspiradora das minhas idéias tivesse secado intermitentemente.
Com o teclado intacto, esperando pelos toques que versariam sobre algo; com minha mente criadora displicentemente inerte; com o meu corpo gritando para que eu largasse tudo, e me atirasse no sofá... Resolvi que o assunto em pauta deveria ser incontestavelmente um dos mistérios do universo feminino. Afinal, o meu alarme íntimo já havia disparado o aviso: “Prepare-se, você está entrando na TPM! E não conseguirá escrever uma vírgula sequer que a agrade”.


É exatamente assim que acontece. Pelo menos uma vez por mês paro em frente ao guarda-roupa, olho para as dezenas de peças dependuradas, cada qual em seu cabide, e concluo desesperadamente que nenhuma delas me cairia bem naquele momento. Passo a mão numa calça jeans e numa camiseta básica e me rendo ao período em que dificilmente algo vai me fazer sentir linda e maravilhosa. É o primeiro sinal de que tudo está começando.


Todos os meses passo por dias em que me torno insuportável a mim mesma. Mergulho num oceano de sentimentos que me leva a extremos de ficar chorona e frágil à irrequieta e impaciente. Posso afirmar que uma bipolaridade momentânea apossa-se da minha personalidade como uma obsessão psíquica nestes dias nebulosos. Isto pode parecer exagero para os olhos masculinos, todavia, sou capaz de apostar que as mulheres sabem com conhecimento de causa, o quanto temos que, literalmente, sangrar por sermos mulher.
O universo feminino glamouroso e fascinante, dentre seus vários caminhos e recantos aprazíveis possui uma estradinha turva e acidentada, na qual obrigatoriamente precisamos passar mensalmente. É a jornada da TPM.

Com o passar do tempo e de observação forçada, sei exatamente quando tudo começa e acaba. Então vou logo avisando aos desavisados: Cuidado! Não provoque! Estou rosa-choque!
E não é que funciona? As pessoas com as quais convivo mantém a cautela necessária ao tratar qualquer assunto comigo nestes dias, mesmo que seja, simplesmente, para resolver o que teremos para o jantar.Cria-se um cuidado especial em minha casa com a costumeira desarrumação dos quartos; com as toalhas largadas no banheiro; com a falta da descarga; com a falta de lembrar-se de apagar as luzes... Incrivelmente parece que todos ficam mais atentos aos pequenos detalhes e tentam, na medida do possível, não cometerem nenhum deslize. Afinal, um simples passo em falso pode detonar a mina. E lá vem bomba!


É assim desde meninas. Não podemos desviar da estrada sinuosa que se abre a nós mensalmente, mas temos que aprender lidar com ela. Devemos conhecer cada curva no mapa e ir logo avisando aos companheiros de viagem: Seguir uma mulher pode ter grandes riscos. Um deles é perdê-la na metade do caminho por alguns dias, todos os meses.


O segredo é ter paciência, pois ela volta. Sim, ela volta inteirinha depois da Tempestade Psíquica Mensal. Sem um arranhão sequer. Pronta para ser ela mesma até o próximo mês.

Léia Batista

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Você está triste hoje?



Pergunte a uma criança porque ela está triste. Irá ouvi-la contar que é por causa do brinquedo que não ganhou; ou porque a roda do skate quebrou; ou porque os coleguinhas não quiseram mudar a brincadeira e continuam jogando futebol; ou porque a melhor amiga resolveu substituí-la por outra. Ou, ou, ou...Criança não fica triste à toa. Tem sempre um motivo.
A criança entristece com causa e pode descrevê-la tim-tim por tim-tim para você.

já o adulto, entristece muitas vezes sem conhecer o motivo. Simplesmente acorda diferente naquela manhã e atravessa o resto do dia com a cortina fechada, cercado por uma penumbra nostálgica, quase dolorida.Passa o dia, às vezes dois, e até mais, trancafiado em seus aposentos íntimos sem vontade de convidar ninguém para dividir consigo a decoração down.

E quem disse que você precisa fazer uma festinha todos os dias? Você é dono do direito de se recolher em si de vez em quando. De bater um papo com a tristeza e perguntar a ela porque veio se hospedar em você nestes dias.Deve ouvi-la com atenção. E quando ela lhe disser que você a convidou, pois bem sabe o quanto é indesejada, e, só vem se a chamarem. Acredite!A tristeza não é muito íntima da mentira, pelo contrário, ela nunca usou disfarces, você é que teima em fantasiá-la muitas vezes, vestindo-a com a falsa alegria.

Curta o seu momento triste. Tome um chá de serenidade com biscoitos de sabedoria e converse - sem pressa – com a sua tristeza. Revele a ela por que a convidou, confesse cada detalhe que fez com que você lhe enviasse a passagem e escancarasse a porta para ela entrar.Permita-se descobrir que ao conhecer a fundo a tristeza, ela já não parecerá tão feia e assustadora.Não se surpreenda ao achá-la sábia. Não se espante ao considerá-la necessária - de tempo em tempo - para pôr a casa em ordem, depois dos vários dias em que a euforia habitou em você.

Após revelar-se à tristeza - mais do que ela a você – ficar triste já não lhe soará tão mal. Diminuirá o ímpeto de afogá-la em tratamentos. Desaparecerá a vontade de matá-la com remédios. Entristecer já não causará desespero. Passará a ser somente o desejo de não abrir as cortinas enquanto não quiser, com o direito que é seu.
O que não pode, de forma alguma, é deixá-la morar com você para sempre.
Trate-a como uma boa visita que, quando menos se espera já está de partida, sem qualquer promessa de retorno. Embora, você saiba que ela voltará assim que receber o seu convite.
Você está triste hoje?
Aproveite! É um direito seu. Prometo que não vou bater na sua porta ou espiar pela cortina.

Léia Batista

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Com o tempo você descobre que a felicidade está onde você a põe.
Embora, às vezes você teime em procurá-la onde ela não mais está.

Léia Batista




Estereótipos


Tratei de definir (e já vou explicar porque) a palavra mulheraça ou “mulherão”, na forma como é mais utilizada. E pelo que consta nas páginas do amigo Aurélio, trata-se de uma mulher alta e forte. Aprofundando o conceito e extraindo toda a sagacidade que o dicionário da língua portuguesa não alcança, mas a criatividade humana trata de incrementar, mulherão é uma mulher alta, forte, bonita e gostosa.

Quem quiser uma definição concreta, é só buscar nas páginas de revistas e imagens da TV. Um desfile de mulherões se apresenta todos os dias, para todos os gostos e preferências. Sem dúvida para quem, sendo um mulherão, implica num disparo do cifrão na conta bancária, isto é um baita currículo.

Ser mulherão abre portas. Dá asas para quem não sabe voar (mas acaba aprendendo). Transforma a mediocridade em talento, e uma simples mortal em divindade. Cria fãs-clubes, adoradores, seguidores, loucos e fanáticos.

Há décadas atrás, Marilyn Monroe foi descoberta pela sua beleza, e só depois descobriu que poderia utilizar-se dela para desenvolver a sua capacidade. O furacão loiro causou furor e arrebatamento pelo mundo todo. E quem poderia considerar que aquele belo par de pernas e de olhos, aquela boca carnuda, aquela cabeleira loira, não tivesse talento? Só um louco de pedra.

Marilyn foi o marco do mulherão. A partir dela novas e novas divindades foram surgindo e ganhando espaço nos calendários masculinos, nas revistas masculinas, e atualmente nas TVs da família inteira. Embora, com a volatilidade atual, sobreviver deste “talento” requer mesmo muito talento.

Se você percebeu certa ironia até aqui, deve ter percebido também que à medida que este conceito tem tomado proporções voluptuosas, tem causado danos às mulheres que não são nem altas, nem bonitas (para os padrões estabelecidos), nem gostosas. Mulheres que precisam trabalhar a sua autoestima, para que ela não desmorone diante de tanta divindade exposta por aí. Que se tornam escravas da balança e do bisturi, na ânsia de galgar alguns degraus do pedestal que exibe e aceita, só mulherões.

Ser bela não é ruim e nem é pecado. O equívoco consiste em valorizar apenas aquilo que se vê por fora. O que é ruim é o culto exacerbado da beleza física e do padrão estético. O que é lamentável é a conceituação de beleza como um atributo essencialmente externo, onde a alma deixa de existir. Precisamos praticar urgentemente a ginástica espiritual!

Devemos ser mulherões por tudo aquilo que temos feito e sentido e que não está marcado em nossa altura, no nosso manequim, no nosso exterior. Que o nosso espelho reflita primeiro a beleza do que somos.
Da mesma forma, devemos desejar homenzarrões sim. Somente os homens que sejam altos, fortes, bonitos e gostosos, por dentro.

domingo, 6 de setembro de 2009

HOMENS AO MAR!


Sentada em minha cadeira sob o guarda-sol, nada mais me resta neste típico verão sulista, mesclado de muito sol e muito vento, do que ficar admirando os corpos livres, leves e soltos que desfilam a beira mar.
E o meu senso crítico (o qual tento em vão trancafiar), faz com que a minha atenção se volte para a profusão de barrigas avantajadas e corpos fora de forma que se expõem ao meu olhar.
Você deve estar pensando que estou me referindo às mulheres, certo? Errou!
Pasme (assim como eu), aos homens. Os mesmos que deixam claro a toda hora o gosto por mulheres de “corpitcho” enxuto. Senhores seletivos que avisam às companheiras de que não gostam de mulheres gordas. Maridos generosos que pagam academia para excelentíssimas ficarem do jeitinho que eles querem. Namorados exigentes que dizem “depois não reclame se eu olhar para as outras”. É ao sexo oposto que estou me referindo e que tem deixado bem claro: “Seja como eu quero, que eu não ligo como estou”.
Não consigo deixar de sentir uma mistura de indignação e revolta ao pensar o quanto o sexo frágil tem que ser forte, por ter o corpo comparado o tempo todo às gostosas da TV. O quanto é preciso jejuar, caminhar, correr, malhar, nadar pra chegar no verão do jeito que eles gostam, enquanto comem churrasco e bebem cerveja sem dar a mínima ao fato do verão estar chegando.
Quando ele chega tememos ter que levantarmos das nossas cadeiras para sermos avaliadas, enquanto eles levam as gordurinhas para passear displicentemente, sem canga!
Desde quando Adonis era gordo e Afrodite era magra? Quem inventou que a barriguinha do homem é charme? Quem disse que as mulheres preferem o Toni Ramos ao Rodrigo Santoro, o Danny De Vito ao Ben Affleck? Quem deixou estes senhores acreditarem que os seus corpos não possuem padrão estético? Quem esqueceu de lembrar a eles que o verão estava chegando?
O que tirar de positivo disto? As mulheres estão cada vez mais entrando no verão com tudo em cima, graças às condições que o mundo masculino impõe e padroniza. Bendita a academia, o silicone, a lipoaspiração, a cirurgia plástica, por que não? De certa forma, benditas musas televisivas que nos enchem de inveja e nos inflam o ego. E que ego!
Sou contra o feminismo, que tenta extrair da mulher o que ela tem de mais belo que, é exatamente ser mulher. Ao mesmo tempo em que repudio o machismo que impõe padrões que não cabem aos homens.
Aprecio por isso o mundo das aves, onde os machos são muito mais belos e as fêmeas sempre cobiçadas. Senhores Pavões, no próximo verão estejam nas praias!
Léia Batista

sábado, 5 de setembro de 2009

Narciso não Morreu

Ouvia (sem querer) outro dia, a conversa de dois homens. Retificando: Ouvia a conversa de dois garotões e, para resumir de forma clara e objetiva, os dois reclamavam da dificuldade que sentiam em encontrar alguém legal.

Fiquei impressionada! Escutar isto de dois garotões lindos e sarados com pouquíssima quilometragem na estrada das desilusões me soou tão estridente quanto uma sirene de incêndio. Lembrei-me imediatamente da lenda do belo Narciso, que ao mirar-se nas águas do lago pensava: Sou mesmo perfeito!

Milhares e milhares de homens e mulheres que se consideram legais estão sozinhos (é o que se sabe, se ouve e se lê a todo minuto). Então, qual a dificuldade para se formar pares? Se você é legal e está sozinha e o seu vizinho do andar de cima também é legal e está sozinho, por que não ficam legais juntinhos? Simplesmente, porque é impossível achar alguém igual a você, perfeito como você, legal como você.

Os garotões que ao meu lado lamuriavam-se por não encontrarem alguém, com certeza têm ao seu encalço uma dezena de garotas lindas, saradas e legais (à sua maneira) querendo fisgá-los. Entretanto, nenhuma é do jeito legal que eles procuram. Invariavelmente à sua imagem.

Narciso era um jovem tão vaidoso e pretensioso que achava que nenhuma mulher estava à sua altura e perfeição. Nos dias de hoje, encontrar alguém compatível aos requisitos desejados está virando utopia. A exigência e a pretensão têm constituído, em vez de pares, uma legião de narcisistas solteirões. No passado isto era uma vergonha, hoje um novo estado civil.

Ser exigente é cobrar do outro uma infinidade de coisas que o ego deseja. Beleza, dinheiro, inteligência, responsabilidade, maturidade, fidelidade, bom-humor, carinho etc; etc; etc; Ser pretensioso é achar que possui todos os atributos acima. Desenhando: O cara se mira diariamente e pensa: Eu sou tão legal e perfeito, por que não encontro alguém assim como eu?

Entendo que cada um deve saber o que é melhor para si. Agora, se você acha que não existe ninguém legal à sua altura,com as qualidades que você procura, caia na real! Das duas, uma: Ou você mata o Narciso que existe em você e começa a enxergar o lado legal que existe nas pessoas ou fica solteirão e passa o resto da vida amando um espelho.


Léia Batista

Mary Pan


Há muito tempo descobri que dentro de mim vivia outro ser. E que este ser se assemelhava muito ao Peter Pan das histórias infantis. Para quem não lembra (o que é uma lástima), Peter Pan é aquele garotinho que usa uma roupa verde que lembra a vestimenta de um bailarino clássico. Com uma faquinha na cintura e um chapéu que nunca identifiquei a origem. Pois bem, Peter é um menino que nunca quis crescer.

Em homenagem a ele passei a chamar a outra pessoa com a qual divido este corpo, de Mary Pan. E a Mary que vive em mim, tal qual o personagem da história, nunca cresceu. Tenho que confessar que, por certo tempo, achei que isto fosse caso para psicanalista. O que me fez conviver com Mary numa relação secretíssima.

Tínhamos, eu e ela, uma convivência conflitante, na qual, na maioria das vezes eu precisava frear os impulsos aventureiros a que ela me impelia. Passei por muitas situações embaraçosas por sua causa. Da vontade de gargalhar nos momentos mais sérios, de sair correndo na rua sem ter por que ou me lambuzar num pirulito enquanto fazia compras no supermercado.
Consegui segurar a minha Mary Pan com competência a ponto de sufocá-la em meu íntimo e assassiná-la por repressão. Passei então, a viver uma vida de gente grande, sem lapsos de loucura.
Por um bom tempo Mary Pan ficou esquecida dentro de mim para que eu pudesse ser uma universitária promissora, uma mulher exemplar, uma mãe responsável, uma profissional séria. E tudo ia bem, neste ritmo em que os seres normais ( nem um pouco bipolares) deveriam viver.
Até que percebi que, não só eu tinha assassinado Mary Pan, como tinha assinado a minha sentença de morte. Sim, porque ao enterrar o meu pólo infantil nada me restara a não ser envelhecer dia após dia, até o fim.

–MARY PAN, CADÊ VOCÊ?

Tratei de resgatar minha alma caçula e passei a mimá-la desenfreadamente para que ela conseguisse trazer de volta toda a vivacidade que perdi ao abandoná-la.
Hoje eu e Mary vivemos em harmonia. Em momentos os seus lampejos infantis se sobressaem à minha sobriedade, noutros a minha maturidade aquieta suas atitudes tempestivas. Com isso, minha pele ganhou viço. Meus olhos, brilho. Meu corpo, agilidade. Minha mente, sonhos. Minha alma, felicidade. Meu coração, paixão.

Com Mary Pan mais viva do que nunca dentro de mim comecei a perceber que (se não todas) a maioria das pessoas guarda uma criança dentro de si. O que foi um alívio. Não só me livrou de um laudo de loucura, como me levou a descobrir muitos coleguinhas de Mary Pan por este mundo.
Pense: Quantas vezes você teve vontade de largar o serviço no meio do expediente para caminhar na praia ou não fazer nada? Virar para o lado quando o relógio despertou, e dormir até não ter mais sono? Sair andando sem rumo, juntando as pedrinhas diferentes no chão? Dançar na fila do banco? Cantar no meio de uma reunião? Mostrar a língua pra quem o xingou? Chorar quando se machucou? Pedir colo quando desanimou? Lançar um olhar diferente para alguém que chamou sua atenção? E trocar o telefone sem dar, nem pedir, explicação?

Quantas vezes você ficou olhando para o fogo até os seus olhos arderem? Para lua, procurando ver o dragão de São Jorge? Para o mar, imaginando onde ele vai acabar? Para sol saindo de dentro d’água sem sequer se molhar?
Não sei o nome da sua criança, mas sei que existe uma em você. Deixe-a aflorar, e ame-a. Amando-a, a manterá viva. Mantendo-a viva, viverá mais. Vivendo mais, terá tempo de descobrir que a felicidade está dentro de você. Dê a ela o nome que quiser. A minha, se chama Mary Pan.

Léia Batista